terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Odeio Carnaval

Hoje é carnaval e cá em casa ainda há uma pessoa que dorme a esta hora e eu já trabalhei umas seis horas.
O dia está cinzento, já brilhou o sol, mas foi por pouco tempo.
A casa foi invadida por uma espécie de silêncio.
Em volta e no condomínio em frente da parte norte, parece que virou túmulo. Mas há gente em casa, há vários carros estacionados no parque.
No meu edifício, ouve-se ao longe uma qualquer máquina de lavar, os pios das rolas nas traseiras, a máquina de secar ao fundo da cozinha a uns 20 metros de distância e que por isso, chega mais ou menos em surdina.
Uma avioneta que levantou voo de Tires e passa próximo.os pombos que se desunham sobre a pimenteira nas traseiras, para ver quem se aventura a vir ao parapeito da janela onde estão as sementes de girassol que tanto gostam...
Há como que uma beatificação do espaço que me envolve.
Odeio carnaval. Odeio circo. Odeio tudo o que é a exploração, seja do ser humanos, seja dos animais.
Penso igual a Vergílio Ferreira, os homens adoram carnaval, porque é aí, não que se mascaram, mas pelo contrário, desmascaram-se....
Cada vez mais tenho necessidade de entregar ao papel o que vai num dos quartos do meu ser, porque são muitos. E cada quarto seus segredos e enigmas. Alguns fechados a sete chaves e a chave jogada ao mar.
Ao contrário das outras pessoas, o carnaval para mim é símbolo de tudo menos alegria. É como que uma dança maqueavélica, dionisíaca que nunca precisei dançar, porque nunca permiti que meu coração fosse invadido pelas trevas.
Como refere Saramago, se o teu coração é de ferro, bom proveio, o meu fizeram-no de carne e sangue e sangra. O meu é igual.
Nunca quis saber de coisas estranhas e de maluquices.
Houve um tempo da minha vida em que me deixei arrastar por alguns "amigos", para umas quantas maluquices, como ir dançar à meia noite para o Founder's Inn ou ir ao Autódromo etc. Onde nunca entrou droga, isso nunca!!
Mas bom mesmo, era fazer o roteiro dos cinemas mesmo em Cascais. Cinemas que já não existem.
Ia-se ao S. José às 9 da noite e depois ao Palácio à meia noite, acaba-se ceando no Trem velho, junto à estação de comboios.
Ou ao Ryade e depois a outro qualquer, jantando nos Doze na Rua Direita. Isso era o que gostávamos mesmo e sempre gostámos. Ou ir até ao Trem velho beber uns gins e acabar jantando por lá...nada que metesse carnaval.
Foi tudo aquilo que foi cimentando uma cumplicidade que ultrapassa amizade e amor, ou paixão. E tudo sempre com o meu silêncio pelo meio, porque ao contrário de outros, eu alimento-me dele.
E quando dei por isso, quem me acompanhava, já então meu marido, me disse que achava tudo aquilo uma parolice, uma depravação e que nós dois éramos muito mais do que aquilo. E parámos.
Há pessoas que precisam de tanta coisa porque nunca se deram conta de que estão sozinhas, na maior solidão.
Eu não, nunca estou só. Mesmo quando estou sozinha, o meu cérebro é uma orquestra, nunca serena, nunca pára. Vibra, ressoa e cria.
Por tudo isso eu odeio carnaval.
Carnaval é solidão, é tirar a máscara que toda a gente leva o ano inteiro, fingindo o que não se é.
O privilégio de ter este silêncio que só acaba quando coloco nos ouvidos os auscultadores ligados ao Youtube e vou ouvindo as minhas músicas de eleição. Esse silêncio é mesmo o que me apega a esta casa de mais de trinta anos, parcialmente virada a norte e por vezes fria, com uma luz inigualável, sem estrada perto, pelo menos onde estou na parte nordeste, sem gente barulhenta, apenas com o pios dos inúmeros e muito raros pássaros que por aqui passam, dada a aproximação de quintas e árvores centenárias que vejo da minha janela. Silêncio que vale mais do que o ouro, mais do que tudo e faz parte de mim. Onde me envolvo e vivo, serenamente sem pressa...tomara durasse para sempre.


GR

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Perdi quem me deu a vida



Um sereno sábado a todos, porque sem paz e serenidade a vida é um tormento.  E eu preciso dessa serenidade e dessa paz para  repor tudo o que foi abalado em mim. Não apenas pela perda de alguém que nos dá a vida. Mas porque durante toda uma vida não houve diálogo, existiu afastamento e ontem nem sequer consegui fazer a despedida que queria. 
Tudo demasiado rápido, tudo  sem compaixão sem sentimento pelo luto dos outros. Tanta coisa que precisava de ter sido  esclarecida porque um  ser ( reparem que não escrevi mãe) que não amava os seus filhos. Talvez não acreditem mas eu preciso dizer isto e escrevê-lo ...eu queria ter falado com minha mãe em silêncio para entender ou tentar entender o porquê de não se beijar um filho e haver um afastamento tão grande.
Minha mãe nunca me amou, nem a mim nem a meus irmãos. Fomos todos desprezados, a mim nunca abraçou ou deu um beijo. Poderia esconder isto, podia, mas preciso expurgar a dor que me vai dentro por não ter sido amada, nunca senti um beijo, um abraço, um carinho.

De toda uma enorme família eu fui a única que fui ao enterro mas nem sei porque lá fui.

Ao contrário do que podem pensar, não teve a ver com a dor da perda. Teve antes pelo contrário por nunca mais  poder saber o porquê de se ter filhos e não se amar esses filhos.
Ficou para sempre sem resposta.