segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A paz natalícia não é para todos





Uma das razões porque não aprecio certas épocas é pelo que elas se tornaram, em interesses quase apenas comerciais.
Na véspera de Natal  ouvi duas conversas, em sítios bem diferentes e ambas sobre o mesmo assunto. Pessoas que preferiam estar a trabalhar do que a ter de passar o Natal em família. Porque uns   não dão nada, outros só se vêm no Natal ou nos funerais, discutem, reclamam, chegam a degladiar-se verbalmente....fiquei a pensar exactamente o contrário do que  pensava....julgava eu que a minha família, apesar de todos os ensinamentos e comemorações, partilhas que houve desde o nascimento até  à saída dos filhos de casa, que a minha família,  tinha  chegado a um ponto de quase não retorno.

Cada um funda a sua própria família e nunca obriguei nenhum a seguir tradições ou obrigações

Afinal, acredito que o que dei mesmo demais foi liberdade.
Liberdade de escolha, de credo, de escolherem  áreas de estudo. Mas hoje acusam-me disso tudo, como se fosse desinteresse.
Não, prezo demais a liberdade, pude escolher, mas há quem não entenda e precise da muleta, da escolha do outro para jogar à cara se houver  falhanço. Mas se não são pressionados  e têm liberdade, então é o contrário....viram-se  na mesma dizendo, não te preocupaste, não quiseste saber.
Invariavelmente respondo   a mesma coisa, pelo contrário, dei-te o livre arbítrio para puderes escolher sem pressão.
Até na religião. Fui obrigada a  fazer catequese, comunhão, crisma etc. Mas não obriguei, nada fizeram disso.
Hoje sou  acusada por  um dos filhos,  de não lhe ter dado bases de religião, não consegue entender que é exactamente o contrário. Pergunto-me, como pode isto acontecer a alguém como eu. 
Eu sufocaria sem liberdade.

Há dias estava a ver  num dos Telecines, um filme que recomendo, Philomena ( Filonema), baseado numa história real, uma de muitas,   dei-me conta de que tudo  que conta mesmo são as nossas vivências, os nossos sentimentos, aquilo que registamos.
Mas mesmo esses nunca estão isentos da influência do mundo exterior, das influências que outros nos incutem, por mais que queiramos ser isentos, por mais que sejamos diametralmente  opostos a todas essas influências. Somos tantas vezes, uma soma de contrários e por isso não somos linearmente aquilo que julgamos ser, nós próprios. 
Por mais que queiramos ficar apenas contemplando o que se passa à volta, somos forçados a entrar na roda, tantas vezes em detrimento próprio e apenas para satisfazer os  outros, ou os seus desejos,  porque eles próprios sozinhos são incapazes, por ignorância ou não saber, obrigam a quem podem manipular através até de pequenas chantagens, a fazero avesso do que se pensa.
Assim, podemos jurar a pés juntos não ir a determinado local, mas lá aparece um sms ou um telefonema,ou um recado por interposta pessoa...aparece um pedido, "as tua netas, gostavam de ter isto ou aquilo, podias dar-lhes, assim elas ficavam mais contentes..."...e o fino propósito de não ir aqui ou ali, vira num pequeno pesadelo, por vezes, discussão, almoço fora de casa, correria porque  há quem trabalhe a diferentes horários.  E mais uma desilusão. Mais  qualquer coisa que fomos obrigados a fazer na mera tentativa para agradar a quem nos aponta o dedo, pelas coisas mais absurdas. Depois, recebe-se um telefonema. Olha passamos aí depois do ano novo Não podemos ir antes. Bom natal para vocês...portem-se bem... 
Que raio de treta. Por vezes quer-me parecer que em vez do muito cházinho aos meninos, lhes devo ter dado estricnina, já que conseguem envenenar a coisa mais simples e sem importância.

Natal, deveria ser redenção, louvor, paz, família, união, foram esses os valores que me transmitiram e que eu passei, Natais já foram, hoje, volvidos muitos anos, vejo que foram erradamente vividos. Viviam-se os presentes, as azáfamas das compras, com as listas de cada um, tentando que nada falhasse...e foi aí o grande erro.Hoje tenho a certeza.

Hoje o natal perdeu brilho, este ano nem árvore fiz, nem o presépio maior, era tradição comprar-se musgo e os miúdos faziam, com caminho, plantas, luzes etc.Existem muitas figurinhas. Não, apenas um pequenino que já vem na cabana e tudo. Meia dúzia de bolas douradas e vermelhas penduradas nos braços dos candeeiros, e nada mais.
O brilho e a cor da casa de antigamente, com músicas de natal, ainda temos uns dez ou mais CD's ....passou. Foi noutro século. Para quê recordar?

Sempre me lembro de ouvir os mais velhos dizer que o que não tinha remédio, remediado está.
Assim, que venham muitos natais, muitos fins de ano, mas na paz da solidão, porque essa traz, bons  livros, bom jazz, bons filmes e a merecida serenidade, vividos numa paz mais do que merecida, mesmo que  com muitas horas onde apenas estou eu e os meus "filhos" de quatro patas.
Sempre se compra  para muitos, a comida e a bebida  sobram sempre... depois andamos vários  dias, a retirar da geleira, aquilo que ninguém comeu, porque simplesmente não apareceu.

Por isso, acredito perfeitamente que tanta gente e aquelas duas conversas que mencionei bem no início, tenham fundamento. 
Dei-me conta pelas notícias que começam a aparecer inúmeras famílias, sejam elas de um ou muitos membros que desaparecem nestas épocas. Se me perguntam,  até concordo.
Passam a consoada, dormem e o dia de Natal, num qualquer hotel ou herdade, fora da linha do horizonte de quem lhes pode estragar o sossego.

Claro que há quem  trabalhe por horários rotativos  e nunca possa  tirar férias nessa época.  E esses são dos tais, que preferem estar a trabalhar, a ter a casa cheia de barulho, tudo desarrumado, a mãe a trabalhar para todo. Já os outros,  os que comem,  tudo virado e vidrado nos ecrãs dos telemóveis, tablets ou  computadores...porque na realidade, Natal mesmo, não é para todos e para alguns é apenas  sinónimo de despesa e muito trabalho, arrelias e canseiras.

Para outros  é um regalo, entram, sentam-se, levantam-se, comem, levantam-se, bebem, sentam-se e por assim adiante.  Melhor mesmo é  esquecer as rabanadas, os filhós,  os  coscorões e sair, ir um ou dois dias, para um sítio escondido, onde ninguém nos possa encontrar. 

Deve ser bom e terei de pensar nisso seriamente no futuro. Afinal, a solidão ninguém nos a tira, assim, as preocupações, morrem à nascença e o gozo é bem maior.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Gosto mesmo, é das segundas feiras

Não gosto de sextas-feiras, nunca gostei.. Quando era mais nova e até gostava de ir às aulas, era o último dia de aulas da semana...o meu dia preferido é mesmo segunda-feira e se me perguntam porquê, nem sei, mas tem tudo a ver com recomeços. Como adoro mudanças, mudar de casa, sair de uma cidade para outra, viajar, acho que deve ser por isso.
Não aprecio saídas à noite, por isso o fim de semana, é sempre o que costumo chamar de atropelo. Muita gente em todo o lado. Somos mal servidos onde quer que vamos, no cinema há imenso barulho, pipocas pelo chão, gente que fala alto, pessoas barulhentas que se julgam donas de tudo....supermercados com filas de gente com muito pouca paciência, os famosos grupinhos de gente jovem que vai às compras para as festas de fim de semana ( aqui onde moro há  muito esse hábito), música ou espécies de música que jorram dos altifalantes de todo o lado, misturados com os gritos e a publicidade, as buzinas dos carros a protestar por um lugar de parque....ufa, minha rica semana.
Deve ser por estar mais velha e ter tido de certo modo  uma vida com muita gente e muito barulho, hoje prezo tanto o silêncio  dos meus passeios, da minha solidão em casa, sozinha  ou mesmo com o cara metade que adora ver filmes no sossego da casa, com os meus patudos, a minha música e o silêncio de lá de fora, que até já me conformei  com o facto de parte da minha casa estar virada a nordeste.
É a zona onde há silêncio, onde não tem estrada, há verde, um jardim que plantei quando para aqui vim e hoje me dá uma bela paisagem quando abro as muitas janelas da casa.
Se me levantar bem cedo, vejo o nascer do sol  por entre as árvores e de facto, apesar de um pouco fria nesse lado, esta casa é muito espaçosa, silenciosa, tem uma luz única, que pela manhã entra até meio dela, mas depois é reflectida por tudo à  sua volta e entra difusa e em cambiantes belos e serenos.
Durante algum tempo andei com a mania de mudar, hoje acredito que vim até ela e a vim ver umas quatro vezes antes de a comprar, a horas diferentes, porque nem  foi apenas  o seu enorme espaço que me encantou, foi esta luz  fantástica que me acompanha pelo dia fora....e que me anda a dar vontade de voltar a pintar!
Deste lado a nordeste, tanto é fresca, nem  diria fria  de inverno, como quente, muito quente mesmo, no verão.
Já do outro lado da casa, é quente e só usa calorífero quem não estiver bem da cabeça.
Bate o sol até às quatro da tarde, directo, tão forte que por vezes há necessidade de baixar os estores, um pouco para refrear o efeito do sol tão forte sobre tudo e criando um ambiente demasiado desigual entre as duas partes da casa.
Só em dias como hoje talvez, seja preciso algum aconchego de calor. é que o dia hoje está absolutamente cinzento, depois de um final de outono seco e muito frio, mas com uma céu azul radiante de beleza e sem nuvens, hoje voltámos ao cinza. Vem por aí chuva de novo.
No fundo, são três ou quatro meses de tempo mais frio, contas bem mais altas de electricidade e a possibilidade que anda não foi descartada, de colocar uma salamandra.
Levo tanto tempo a decidir as coisas....
Comecei falando nas sextas-feras e acabo falando do meu espaço, onde adoro recolher-me dos barulhos e gentes lá de fora. É quase ponto assente que aos fins de semana, escusam de me convidar a sair.
Cada vez estou mas avessa a esse burburinho de gente que, tal como eu, numa longa  época da minha vida, trabalhava toda a semana dentro e fora de casa, cuidando de ganhar parte do sustento da família e cuidando da mesma família.
Hoje preciso deste silêncio e desta calma, para conseguir sobreviver, não às minhas memórias, mas ao muito que hoje não posso e não quero pensar, que seja a realidade da minha vida, com a certeza de que décadas de esforço, trabalho, sofrimento, dedicação, de nada valeram, de nada serviram e eu hoje tenho de reconhecer que houve uma falha, uma enorme falha  algures, por que em vez de amigos, criei inimigos e em vez de filhos, criei estranhos.
Essa é sem sombra de dúvida a minha maior tristeza e a razão principal porque não gosto dos finais de semana.
Já foram vividos na plenitude, hoje apenas restam os silêncios.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Serão eles os novos hippies?



 A salvação pelos novos hippies ou o desejo de preservar o passado num futuro mais consciente e ecológico?

Hoje vivemos numa sociedade que perdeu, em parte, o apego ao que era do passado, ao acervo de cultura, tradição, costumes. Muitas pessoas que adquirem um certo patamar económico vivem como se pertencessem a uma sociedade estereotipada, formatada, quadrada... 
A criatividade para esse estilo de pessoas, muitos deles executivos de primeira nata, grandes economistas, financeiros, políticos etc, que não têm qualquer apego às vivências do passado, como se estas os pudessem contagiar. 

Esses por um lado, por outro e absolutamente ao contrário destes, estão os muito jovens, mas e é preciso que se diga, os antigos hippies, ou os que estão decepcionados pela sociedade de hoje,  que querem romper com essa estereotipação e vivem obcecados por coisas antigas, em lutas pelo valor da terra, pelo amor  ao  legado de avós, tios, etc, preservando até  coisas que practicamente não têm valor comercial...

Serão  estes que querem salvar o mundo, regenerar o planeta, viver ecológico,  plantar o que comem, fazer amigos e partilhar com estes, comida, amizade verdadeira e pura e um futuro bem mais "verde" ou "eco" como referem. No fundo, o conceito do novo rural ou novo hippie.






Há  assim,  duas gerações, separadas, quase na mesma geração....  Os  que se intitulam de uma geração yuppie, que estão no meio, entre os nascidos na geração hippie ( o meu caso) outros os jovens de hoje, que são revivalistas, que amam  com paixão, rendas, crochets, os fatos dos anos 50 e 60 do século  passado e que estão a mudar a moda de se ver o mundo. 

Muitas jovens e até  jovens ( homens) que se dedicam  a coisas anteriormente  apenas de dedicação feminina e bem recatada.  Falo de costuras, de moda urbana e não urbana, de verdadeiros artistas plásticos que fazem de roupa velha, maravilhosos quilts, que são verdadeiras pinturas. 
Falo de tantos jovens que  dedicam parte da sua vida a cultivar um jardim comestível, fazer arte através dos "lavores" e que ainda ganham dinheiro com  isso.

Daí o sucesso de tantos e tantos que proliferam por essa blogosfera e apenas cito  alguns, Mollie Makes, Saídos da Concha, Attic 24 , IDA Interior Lyfestyle e tantos outros. 

Muitos provam que  é essa a geração que pode salvar-nos de um fim terrível, o da indiferença, da solidão, mas não só, eles são por si só, o espelho ou a base do que podemos chamar, o novo conceito de família, já que se agregam, muitos deles em  comunidades, praticando o bem pelo planeta e vivendo com muito menos, mas muito mais felizes. 
Eles ensinam a fazer comida, a costurar, ensinam a cultivar sem uso de químicos, partilham vivências, momentos, como se por um lado vivessem de forma mais sustentável e ecológica, por outro consideram a blogosfera, quase como família, a quem comentam e contam o seu dia a dia, as suas vivências e experiências.

Por vezes com muito pouco, decoram as suas casas de forma alegre, contagiante e criativa. Das folhas de revista a servir de papel de parede, aos antigos posters de paisagens, que se usaram nos anos setenta, as muitas cores juntas como um arco-íris, as almofadas e pouffs que muitas vezes substituem os sofás, e servem para sentar muitos amigos em alegres e amenas conversas  à volta de uma qualquer refeição partilhada por todos. 

Os quartos  com camas velhas, já nem se trata de patine, mas de falta de tinta, velhas mesmo de uso, combinadas com roupas das avós que estavam guardadas nos baús numa   antiga casa de  família e que tantas vezes não lhes dava  valor algum, misturados com colchas que estas jovens fazem, em crochets multi coloridos, combinados com aproveitamentos de tecidos que transformam em lindíssimos tapetes. Tudo com um toque de modernidade, inconfundível. Não minimalista, não revivalista, mas um estilo próprio, forte e afirmativo, que emana deste movimento.

É uma nova geração,que está a dar valor a coisas que outras gerações não deram.
Se pensarmos que durante anos, a única forma que tinham  as mulheres para expressar a sua criatividade era através dos bordados, rendas  e  crochets, muitas vezes impedidas pelos maridos e demais família,  de mostrarem esses dotes  fora de casa, percebemos o que está a acontecer.



 Não é apenas o usar as coisas tradicionais, são os netos e os bisnetos que  estão a mostrar o que os seus ascendentes usavam e produziam, com que criatividade abafada durante gerações por sociedades machistas, tivesse finalmente, a possibilidade de emergir, com valor real, o da arte.




Mas não é tão somente um problema de terem muito menos, do regresso à agricultura de subsistência, é também isso, mas é muito mais, é uma nova forma de pensar, um novo futuro que  pegando em  momentos do passado, abre um novo caminho, onde o desperdício practicamente não existe, e a velha máxima de "usar e deitar fora" é posta, em absoluto, de parte, porque segundo eles " tudo pode ser reciclado" até as mentes.... 

Voltarei a este assunto, que devo dizer, me está a encantar...quem dera pudessem os jovens todos, de uma assentada, e até os menos jovens, pensar assim. 
 O mundo seria tão melhor para se viver, tão mais "friendly" e menos poluído.


Imagens : via Web e novos rurais

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Menino pequeno, perdido no mundo




“Menino pequeno, perdido no mundo
sozinho e cercado de imagem e ilusão,
vagando, vagando sem número e data,
descobre a verdade no meio do chão.
Descobre na terra, de olhos pro céu,
pequeno menino perdido e sozinho,
reinados de estrelas, de sóis e de flores,
poemas ficados na cruz de um caminho.
Menino pequeno, sozinho encontrou
prazer escondido de olhar e sonhar
viver e cantar, beijar e reinar,
deitar e chorar, num berço de ar
Menino tão só, perdido e pequeno
que veio do céu, que acaba no mar,
com um sopro retira, do chão, essa gente
e ensina que é fácil ter asa e voar”

In " O Pequeno Príncipe"

Antoine de Saint-Exupéry



sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A hora do cansaço


As coisas que amamos,
as pessoas que amamos,
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um ou outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gozo acre

na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.




Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Outono






Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.

                                  Miguel Torga

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Canção de Outono






Perdoa-me, folha seca, 
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo, 
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão 
se havia gente dormindo 
sobre o próprio coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando aqueles 
que não se levantarão...

Tu és folha de outono 
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...



Cecília Meireles, Via Pensador

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Canção de Outono







No entardecer da terra,

O sopro do longo outono
Amareleceu o chão.
Um vago vento erra,
Como um sonho mau num sono,
Na lívida solidão.

Soergue as folhas, e pousa
As folhas volve e revolve
Esvai-se ainda outra vez.
Mas a folha não repousa
E o vento lívido volve
E expira na lividez.

Eu já não sou quem era;
O que eu sonhei, morri-o;
E mesmo o que hoje sou
Amanhã direi: quem dera
Volver a sê-lo! mais frio.
O vento vago voltou.

1910
Fernando Pessoa (1888-1935)

Encontrei aqui : http://dispersamente.blogspot.pt/2010/