quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Já não te amo como no primeiro dia



Gosto muito de algumas mulheres que não estão entre nós, melhor dizendo, dos seus escritos, as palavras que  deixaram e viraram eternidade. Marguerite Yourcenar, Marguerite Duras, Hannah Arendt, Simone de Beauvoir, Virginia Wolf, entre outras.
Hoje um pequeno texto de Duras... mas não do seu  talvez, mais famoso romance, L'Amant (O amante, passado na antiga colónia francesa da Indochina( hoje Vietname), banhada pelo Mecong, um dos maiores rios do mundo.  Este texto, é de outro livro, precisamos ler muito e ler quem  nos faz sentir. Duras tem esse condão.


"Já não te amo como no primeiro dia. Já não te amo.

No entanto continuam em volta dos teus olhos, sempre, estas imensidades que rodeiam o olhar e esta existência que te anima no sono.
Continua também esta exaltação que me vem por não saber o que fazer disto, deste conhecimento que tenho dos teus olhos, das imensidades que os teus olhos exploram, por não saber o que escrever sobre isso, o que dizer, e o que mostrar da sua insignificância original. Disso, sei apenas o seguinte: que já não posso fazer nada a não ser suportar esta exaltação a propósito de alguém que estava ali, de alguém que não sabia que vivia e de quem eu não sabia que vivia, de alguém que não sabia viver dizia-te eu, e de mim que o sabia e que não sabia que fazer disso, desse conhecimento da vida que ele vivia, e que também não sabia que fazer de mim.

Dizem que o tempo do pleno verão já se anuncia, é possível. Não sei. Que as rosas já ali estão, no fundo do parque. Que às vezes não são vistas por ninguém durante o tempo da sua vida e que ficam assim ali no seu perfume esquartejadas durante alguns dias e que depois se deixam cair. Nunca vistas por esta mulher solitária que esquece. Nunca vistas por mim, morrem.

Estou num amor entre viver e morrer. É através desta ausência do teu sentimento que reencontro a tua qualidade, essa, precisamente, de me agradares. Penso que apenas me interessa que a vida não te deixe, outra coisa não, o desenvolvimento da tua vida deixa-me indiferente, não pode ensinar-me nada sobre ti, só pode tornar-me a morte mais próxima, mais admissível, sim, desejável. É assim que permaneces face a mim, na doçura, numa provocação constante, inocente, impenetrável.

E tu não sabes."

marguerite duras
textos secretos
trad. tereza coelho
quetzal
1999

Recomendo vivamente, para quem como eu, luta por manter acesa a chama desse amor, bem viva e crepitante!. Não amamos como no primeiro dia, mas amamos mais, porque  mais do que o amor, cresce a paixão, a amizade, a cumplicidade e tudo isso é mais do que amor. Aquilo que por vezes, apenas  numa troca de olhares, e está tudo dito.

Espero que gostem. 


Imagem: reprodução via Google imagens


Sem comentários:

Enviar um comentário