domingo, 16 de novembro de 2014

Cada um se vê à sua maneira







Cada dia me dou conta de que o meu caminho tem sido penoso, mas no meio de tanta farpa, de tanta pedra que me tem magoado pés, canelas, alma, coração, também  em simultâneo, tanta coisa boa me tem acontecido. Nem sei se  o saldo não será mais para o positivo do que para as pedras...

O meu despertar como pessoa, foi muito cedo. 

Quando eu tinha os meus 9 anos, comecei  a ler, tudo desde a colecção azul, condessa de Ségur, até aos Almanaques do Patinhas ou do Donald, lia  as bandas  desenhadas do Major Alvega, Silver Surfer, Mascarilha, tudo o que eu arranjava, comprado ou trocado ( dava cinco lidos e trazia um para ler... bom negócio para quem comprava, péssimo para nós, os miúdos que liam ou devoravam). Gastava  boa parte do meu dinheiro em livros e fazia uma série de coisas para ganhar. Desde ajudar com os irmãos, ir às compras, minha mãe era modista, não a tempo inteiro, mas em part-time, já que fazia isso às escondidas de meu pai que não queria que trabalhasse....   ajudava-a nas pequenas coisas que podia,  coser botões, alinhavar, tirar linhas de alinhavo depois de  a peça estar pronta,  rematar as pontas das linhas e chuliar as bainhas, e as  laterais dos tecidos....enfim, (coisas que hoje me são bem úteis) e assim tinha sempre um pecúlio para poder investir no que mais gostava.


Apareceu entretanto, nos arredores da vila onde eu morava, a biblioteca itinerante...e quem supervisionava a carrinha, era uma pessoa que amava a leitura, a cultura. 
Assim, após a conversa da inscrição onde me foi perguntado, o que quer levar para ler ( eram duas semanas até à próxima visita), e eu lá ia respondendo,  quero saber tudo sobre a boa literatura americana, quero ler Hamlet, quero ler Dickens, etc....e assim, enquanto durou esse período, longo, já que foram vários anos, li muito,  tudo o que qualquer ser humano deveria ler para ter  ases para se considerar gente. Mas o melhor viria a seguir. 

Só os livros nos trazem o sonho. Ler é como viajar, sem sair do local onde estamos, sentados, encostados, deitados. 
Depois, já com alguma bagagem, conheci o tal amigo, que me viu com uma sacada de livros, a uma sábado de manhã, quando ele se apeava do comboio vindo lá da Marinha e eu ia comprar o pão que minha mãe me pedira. 
Achou piada  à minha resposta...onde vai e o que vai fazer com todos esses livros. A minha resposta, lê-los, devorá-los, tirar frases para fixar, para recordar mais tarde, sonhar.
Tive a sorte de ter amigos de grande qualidade intelectual e humana, alguns, poucos,  um em particular.

E ali, naquele momento,  arranjei, um grande orientador de leituras. Assim, aos 13 anos estava a ser lançada a Tolstoi,  Fiódor Dostoiévski, Constantin Virgil Gheorghiu .Léon Uris,  Marx...passando por Hemingway, Miller, Steinbeck e tantos outros.

Foi a partir daí que a "mania" de coleccionar  coisas, passou a ser uma qualidade, a de criar a minha própria biblioteca.

Hoje sei que sou diferente da maioria das pessoas, não ligo grandemente a coisas materiais, gosto de ter o quanto baste, nunca tive ambições de riquezas...posso não ter tido grandes felicidades, até mesmo a nível familiar, mas o espanto que apenas um livro transmite, aí eu bato todos os que conheço. 
Nesse ponto, a minha vida foi um deslumbramento.

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